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A DUALIDADE
DE CONTRATOS COM O MESMO EMPREGADOR: POSSIBILIDADE JURÍDICA por Ailton Borges de Souza(*)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO A mundialização da economia tem influenciado de maneira significativa inúmeras mudanças importantes no campo das relações do trabalho. A competitividade em escala mundial entre nações, com a abertura dos mercados, exige uma nova estruturação das empresas baseada na produtividade e com vistas na qualidade, com visíveis redirecionamentos na esfera da gestão de pessoas. Vale dizer que, com o surgimento desse fenômeno, o Direito também sofreu impacto, sendo alterado de modo a permitir que as empresas tenham condições suficientes para enfrentar a competitividade no contexto dessa globalização. O mundo mudou, o Brasil mudou e o Direito deve acompanhar essa mudança, embora sem se afastar dos princípios fundamentais e das diretrizes doutrinárias consagradas por sua história. Na atual conjuntura econômica decorrente do processo de globalização, o cenário das organizações produtivas foi revisto, tendo como conseqüência a busca de melhor espaço e maiores oportunidades nas empresas. Tem-se abandonado, progressivamente, o modelo de carreira linear, direcionando-se para um modelo multifuncional (SOUZA, 2000, p. 64). O objeto do trabalho é a possibilidade jurídica ou não da formalização de dois contratos entre um empregado e um mesmo empregador com fulcro na doutrina e nas disposições legais vigentes. Analisaremos, primeiramente, a licitude do duplo contrato de emprego com um mesmo empregador. Em seguida, discorreremos sobre os critérios definidores da possibilidade jurídica do duplo contrato de emprego e alguns efeitos da dualidade contratual sobre a relação de emprego. 2. O TRATAMENTO DA QUESTÃO NA DOUTRINA Inicialmente, vale dizer que as discussões doutrinárias têm ocorrido apenas topicamente e é importante registrar também que o tema não tem sido abordado freqüentemente, tendo em vista que a hipótese não é comum nas relações de emprego em geral, pois, na maioria das vezes, em regra, a relação se estabelece apenas em um único contrato de trabalho. Além disso, a questão apresenta grandes complexidades na subsunção aos princípios e normas que norteiam o Direito Juslaboral. A dualidade de contratos com o mesmo empregador suscita divergências entre renomados estudiosos juslaboralistas, dando origem a basicamente duas correntes doutrinárias: uma, afirmativista, que afirma ser possível o empregado manter mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador e a outra, negativista, que diz que não seria possível tal hipótese. 3. AS TEORIAS NEGATIVISTAS Entre os defensores da tese negativista destaca-se como mais expressivo representante, Arnaldo SUSSEKIND, que, quando Ministro do Tribunal Superior do Trabalho , manifestou-se contrariamente a tal possibilidade, haja vista os objetivos e fundamentos do Direito do Trabalho não coadunarem com a pactuação de dois contratos de trabalho entre empregado e empregador, pois em tal hipótese estaria permitindo a prestação de serviços além do limite máximo estabelecido em Lei. Na concepção de SUSSEKIND (apud GONÇALVES, 1978:48) "[...] os fundamentos e objetivos do Direito do Trabalho desaconselham a coexistência de dois contratos de trabalho entre as mesmas partes, com o que se legitimaria a prestação de serviços além dos limites imperativos atinentes à jornada de trabalho. Se a dupla relação de emprego já ultrapassou mais de dez anos, cumpre à Justiça do Trabalho determinar a resolução judicial de um dos contratos com as reparações legais pertinentes." Outro renomado autor, Valentim CARRION (1998:276), embora ele se manifeste que não há na lei nada que proíba expressamente tal modalidade, porém a sua fundamentação é no sentido de que tal hipótese contraria aspectos e normas do Direito do Trabalho: "Dualidade de contratos com a mesma empresa. Nem a doutrina, nem a jurisprudência a repelem, é, entretanto difícil, se não impossível, a acomodação de dois contratos de trabalho diferentes e simultâneos entre as mesmas partes; a pessoalidade e a confiança mútua não permitem a caminhada paralela independente; as violações havidas em um atingiriam o outro; os limites de jornada, e tantos outros institutos, trazem inúmeras dificuldades a justificar a rejeição; a propalada dualidade muitas vezes pretende na verdade a redutibilidade da remuneração ou o atentado contra a inalterabilidade do contrato em geral." Existem os que, de igual modo, não negam a possibilidade da dualidade de contratos com o mesmo empregador taxativamente, porém a conclusão é a de que a relação entre empregado e empregador apenas se pode dar através de um único contrato de trabalho. É o que se observa em José SERSON (1995) quando afirmou que na hipótese de um empregado vir a desempenhar outras funções além daquelas anteriormente contratadas, em horário diferente, por exemplo, cargos distintos, caracterizaria a Teoria do Emprego Desdobrado, ou seja, permitiria a existência de dois serviços diferentes, não mencionando em nenhuma parte do seu estudo a hipótese da dupla contratação com o mesmo empregador, muito pelo contrário, conclui que o contrato é um só, tendo nesse caso um desdobramento do seu contrato de trabalho com a função originária. A Teoria do emprego desdobrado: ocorre o emprego desdobrado quando o trabalhador, além das horas de expediente efetivo, onde presta serviços decorrentes de sua profissão, exerce alguma outra atividade diferente, em proveito do empregador. Duas são as condições para que se configure o emprego desdobrado: a) que o serviço não seja o mesmo que a pessoa presta, e continua prestando, em razão do contrato de trabalho original; b) que o serviço seja prestado fora das horas de expediente. Observando-se o princípio de que todo o dinheiro pago por uma empresa a seus empregados, em razão de serviços prestados, tem caráter salarial, o ganho pelo trabalho no emprego desdobrado deve ser considerado para todos os fins, como, por exemplo, para desconto previdenciário, para depósito do FGTS, para cálculo do repouso remunerado nos domingos e feriados, nas férias, salário maternidade, 13º, imposto de renda (este dito pelo Parecer Normativo CST nº 12, de 15.05.1981). O contrato de trabalho é um só, porém ele se desdobra num pacto acessório que deve ser lançado na carteira de trabalho e no registro do empregado, como adendo. (SERSON, 1995, pp. 54-55). Nesta mesma linha de raciocínio Aluysio SAMPAIO (1998) também traz à baila outra hipótese de impossibilidade de contratos com o mesmo empregador, o trabalho rural, cujo entendimento pode estar revestido de dúvidas: "No trabalho rural a dualidade também é duvidosa; a lei diz que, onde se adote plantação subsidiária ou intercalar, esta será objeto de contrato em separado; mas forma um todo com o principal; "rescindido o contrato principal, ipso facto rescindi-se o contrato secundário; suspenso ou interrompido um, suspenso ou interrompido ficará o outro. (SAMPAIO, Aluysio, Estatuto do Trabalhador Rural Comentado, Ed. Revista dos Tribunais, comentário ao art. 41, reproduzido pela Lei do Trabalho Rural)." Esta corrente apresenta ainda como fundamento outros argumentos que conforme Gonçalves (1978) são contrários à admissibilidade do duplo contrato de trabalho com o mesmo empregador, alegando-se que a dualidade de contratos possibilitaria não só a ampliação dos serviços inicialmente contratados, como também a ampliação da jornada de trabalho além dos limites legais, o que é vedado expressamente pelo art. 468 da CLT. Tal situação caracterizaria tremendo absurdo na relação funcional, podendo, na prática, direcionar a soluções logicamente absurdas, como, por exemplo, a resultante da prática de ato faltoso do empregado, durante um dos serviços, capaz de refletir no outro e a sua conseqüente resolução do contratual. É aceitável que tenha o empregado o direito de conservar o outro contrato, porém para evitar este desconforto, pode-se admitir, quando muito, a existência de dois serviços diferentes, mas não dois empregos na mesma empresa. Para esta posição doutrinária, o duplo contrato do trabalho poderia ainda vir a suprimir o direito ao gozo das férias, ou seja, é possível que o empregado esteja em gozo de férias do contrato "A" e, devidamente trabalhando no contrato "B", não garantindo assim o direito ao descanso, garantia constitucionalmente assegurada. "Força é reconhecer, entretanto, que a dualidade de contratos com o mesmo empregador enseja inúmeras questões que merecem rápida menção, não obstante as limitações do presente estudo. A primeira diz respeito às férias. Tratando-se de contratos autônomos entre as mesmas partes, importa indagar se, quando o empregado entra em gozo de férias, por força de um dos contratos, também não deveria usufruir, na mesma época, o repouso anual em relação ao segundo contrato." (GONÇALVES, 1978, p. 49). Em síntese são esses os argumentos dos que negam a possibilidade jurídica do duplo contrato de trabalho com o mesmo empregador. 4. AS TEORIAS AFIRMATIVISTAS Entretanto, defendendo a teoria afirmativista, preleciona Emilio GONÇALVES (1978), dizendo que não existe norma legal que proíba a coexistência de mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador, ou seja, onde o legislador não teve a intenção de criar óbice ou qualquer tipo de impedimento, não cabe, assim, ao intérprete fazê-lo. O tema de fato não é comum, principalmente por não ser aplicado no cotidiano das empresas, mas nem por isso menor seria o interesse pelo estudo do tema. "Será lícito celebrar o empregado, com o mesmo empregador, dois contratos de trabalho independentes? A indagação traz à baila a questão da possibilidade legal da coexistência de dois contratos de trabalho autônomos entre as mesmas partes. Verdade é que, na prática, tais casos não são muito freqüentes. Nem por isso menor é o interesse que a matéria tem despertado, e os debates que tem suscitado." (GONÇALVES, 1978, p. 47) CESARINO JÚNIOR (apud GONÇALVES, 1978:46) diz que é possível a dualidade de contratos com o mesmo empregado, desde que a contratação fique bem caracterizada, ou seja, que os contratos sejam verdadeiramente distintos um do outro, de forma que se configure duas relações individuais de trabalho, desde que "... ela fique bem caracterizada, isto é, mister se faz a exigência de uma perfeita distinção entre os serviços prestados, de maneira a configurar duas relações individuais de trabalho nitidamente independentes". Tarso Fernando GENRO, no entanto, entende que é perfeitamente possível a celebração de dois contratos de trabalho com o mesmo empregador, pois não existe óbice legal que proíba tal hipótese, ou seja, se não existe norma impeditiva, é claro que é perfeitamente possível. Além disso, diz o autor que não existe ofensa a quaisquer dos princípios do Direito do Trabalho que possa impossibilitar a existência do duplo contrato de emprego com o mesmo empregador. E argumenta: "Em primeiro lugar, deve ficar bem claro que não há qualquer proibição, não há qualquer norma impeditiva, não há qualquer princípio de direito ou mesmo princípio particular de direito do trabalho, que vede a existência de dupla relação de emprego, ou seja, que as mesmas partes realizem mais de um contrato de trabalho." (GENRO, 1981, p. 150). Para alguns autores, a dualidade de contratos é perfeitamente possível, desde que observadas algumas condições cujo objetivo principal sejam o de consubstanciar a independência dos contratos entre si, principalmente, o da autonomia entre eles, evitando assim possíveis confusões acerca da sua licitude. "Pode o mesmo empregado manter mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador, desde que para a prestação de serviços independentes, em horários ou locais diversos, ou também, de natureza diversa" (ALMEIDA, 1981, p. 34). Outros admitem a possibilidade de existir mais de um contrato de trabalho, pactos diversos entre os mesmos sujeitos contratuais, com o mesmo empregador, sendo mister que se faça uma perfeita distinção entre os serviços prestados, de maneira a configurarem duas relações individuais de trabalho nitidamente independentes, observando que "por ser rara a hipótese, em geral, em trabalhos de natureza técnica, especializada, qualificada ou liberal, deve ser estudada com cuidado, sob suspeita de fraude à lei" (MORAES, apud GUIMARÃES, 1971, pp. 36-184). Após estudo sobre os princípios do direito do trabalho, conhecemos o princípio do duplo contrato de trabalho que contempla a possibilidade de existir mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador, demonstrando a evolução do Direito do Trabalho, como forma de atender o intérprete na solução dos litígios atualmente submetidos à apreciação do Judiciário. (SALEM NETO, 2003, p. 51,). A Consultoria da empresa Informações Objetivas-IOB (2001, pp. 1-2) publicou no boletim nº 128, um estudo sobre a Acumulação de empregos Admissibilidade Implicações no Contrato de Trabalho, no tópico que trata do contrato de trabalho simultâneo com o mesmo empregador. "Não há nenhum óbice legal a que se firme mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador, desde que as funções sejam diferentes e a prestação dos serviços seja em horários distintos. Nessa hipótese, segundo a maioria dos doutrinadores, a soma das jornadas não poderá ultrapassar o limite legal fixado de até 8 horas diárias e 44 semanais, seja para os maiores ou menores de 18 anos, e o intervalo entre as jornadas (assim considerada a resultante da soma dos dois ou mais contratos) deverá ser de, no mínimo, 11 horas. O período para repouso ou alimentação, se o somatório ultrapassar 6 horas diárias, será de no mínimo, 1 hora" (CLT, art. 66. Caput 71 apud IOB, 2001, pp. 1-2) Outra renomada consultoria, FISCOSOFT EDITORA LTDA, publicou em 23.09.2003 comentário produzido pela sua equipe técnica referente ao Acúmulo de Emprego. No tópico 3 (três) que fala sobre "Mais de um Contrato com o Mesmo Empregador", afirmando que é possível, acompanhando também a maioria dos autores, condicionando a existência dos contratos distintos, justamente para se evitar que se caracterize o acúmulo de funções, as devidas anotações, além de trazer uma argumentação importantíssima na hipótese da contratação no caso do menor, manifestação não realizada por nenhum autor até então citado. Os seus argumentos servem tanto para justificar a não extrapolação da jornada de 44h semanais e oito horas diárias pelo menor de dezoito anos quando for empregado de dois empregadores distintos, como também para permitir que o intérprete possa buscar uma melhor fundamentação para o caso da jornada de trabalho do empregado maior de dezoito anos na hipótese da dupla contratação com o mesmo empregador. A consultoria FISCOSOFT assim se posicionou: "É possível, ainda que de ocorrência pouco usual, a dupla contratação com o mesmo empregador. Para tanto, há que confeccionar dois contratos distintos, considerando-se como condições básicas: horário, função e obrigações distintas, ou mesmo trabalho em estabelecimentos distintos. Destaque-se que a existência de contratos distintos é condição essencial, que visa evitar a ocorrência do acúmulo de funções. Se o empregado for contratado para exercer funções distintas, caberá ao empregador proceder as devidas anotações na CTPS, no livro ou ficha de registro de empregados e, se for o caso, nas fichas de salário-família e de salário-maternidade. Vale destacar, que, no caso de empregado menor de 18 anos, sujeito a contratos de trabalho em estabelecimentos distintos, as horas de trabalho serão somadas, podendo o total alcançar o máximo de 8 horas diárias ou 44 horas semanais, conforme preceitua o art. 414 da CLT." Como visto, em torno do tema, não há consenso entre os juristas quanto a admissibilidade ou não da coexistência de contratos de emprego entre partes idênticas. 5. A LICITUDE DO DUPLO CONTRATO DE EMPREGO COM O MESMO EMPREGADOR Partindo do princípio de que o que não é proibido é permitido, pode-se afirmar que a base fundamental para a teoria dos afirmativistas é a de que não existe no ordenamento jurídico qualquer norma legal que vete a possibilidade de empregado e empregador, por livre manifestação de suas vontades, estabelecerem mais de um contrato de trabalho. Vale dizer que na legislação trabalhista não existe qualquer dispositivo que vede a acumulação de empregos em empresas diferentes, como também na mesma empresa. Portanto, um mesmo empregado, desde que tenha disponibilidade de tempo, poderá manter simultaneamente mais de um contrato de trabalho com empregadores distintos ou o mesmo. É como se pronuncia Maranhão (apud GONÇALVES 1978, p. 34), Atualmente as empresas preferem os profissionais que possuem conhecimentos generalistas, justamente porque tais profissionais estão, em tese, preparados para girar dentro da organização conforme as suas necessidades e oportunidades. Além disso, a constante exigência pela qualificação também contribui para que os profissionais de determinadas áreas busquem novas qualificações visando à manutenção e a ascensão profissional em seus empregos. Por isso, é muito comum encontrar profissionais que desempenham mais de uma função para aquela mesma organização, principalmente quando uma delas é de maior grau de qualificação, como no exemplo do professor, o médico, o contador, o engenheiro ou qualquer profissional da área administrativa ou operacional. Esse tipo de ocorrência é positiva para ambas as partes. Para o empregado, porque consegue dentro da mesma empresa unificar a sua força de trabalho e usar as suas habilidades e competências dentro das oportunidades que esta vier oportunizar aos seus empregados. Além disso, é possível manter na mesma empresa, no mesmo local, a oportunidade de aumentar a sua remuneração, alicerçado ao fator motivacional, pois muitas vezes permite que o empregado possa desempenhar funções que estão diretamente ligadas a sua realização profissional/pessoal. É o que se vê, por exemplo, na hipótese de um empregado das áreas administrativas ou gerenciais que possui qualificação compatível para exercer o cargo de professor em turno diverso ao de sua jornada. É comum em diversas profissões, o empregado buscar na mesma empresa novas oportunidades. Isto ocorre, sobretudo, quando devido a dadas peculiaridades, tais profissionais têm jornada de trabalho reduzida, como também conhecimentos em outras áreas explorada pela organização. Vaticina Tarso GENRO (1994) quando diz que em primeiro lugar deve ficar bem claro que não há qualquer proibição, nenhuma norma impeditiva, como também não há qualquer princípio de Direito ou mesmo princípio particular de Direito do Trabalho, que vede a existência da dupla relação de emprego, ou seja, que as mesmas partes realizem mais de um contrato de trabalho. Assim, aquele professor que é contratado para dar aulas e depois é contratado para secretário da escola, noutro ou num mesmo turno, trava duas relações de emprego. Da mesma forma o jogador de futebol que passa a cuidar do estádio ou balconista que passa a dormir na loja para vigiá-la à noite. A acumulação de empregos é, pois absolutamente possível com o mesmo empregador. O que é necessário verificar, para concluir pela sua existência, são as características objetivas e subjetivas de cada caso concreto. Outro exemplo que reforça ainda mais que é possível a dualidade de contratos com o mesmo empregador foi trazido por SALGADO (1981:946), quando diz: "nada obsta que uma pessoa seja contratada como secretária de uma escola, para trabalhar das 8 às 12 horas e que faça, concomitantemente, ou não, um segundo contrato para trabalhar no período da tarde como professora". Irretocável a ilação de GUIMARÃES (1971:36 e 185) quando se manifestou sobre o assunto: O que não é proibido é lícito. É truísmo legal que dispensa maiores comentários. Ora, a lei não impede, de forma taxativa, que um empregado celebre dois contratos e vamos ficar com estes apenas, com o mesmo empregador. Não se trata, porém, de ocorrência habitual ou freqüente. Muito menos de acontecimento óbvio e ululante. Vale ressaltar que o legislador tratou no art. 414 da CLT da possibilidade da dupla contratação ao estabelecer norma especial de tutela do trabalhador menor de 18 anos. Este dispositivo deixa claro que é possível acumular empregos, no caso objeto da norma, proibindo apenas que a soma das horas de trabalho prestadas aos diversos empregadores exceda a oito horas diárias. Nesse sentido, diante da ausência de dispositivo idêntico entre os dispositivos de proteção ao trabalho, evidencia-se que o legislador somente se preocupou com os empregados menores, não fixando qualquer proibição ou limitação aos empregados maiores. Não se preconiza com isto a absoluta e fatal subversão dos princípios juslaborais, mas apenas que tais alterações realizadas até agora se confrontadas com os princípios tradicionais do Direito do Trabalho, dificilmente conseguiríamos materializar-se num plano existencial, permitindo, assim, a criação de novas versões ou visões adaptáveis às novas situações reais. O quadro aqui desenhado, por si mesmo, revela que a presunção de que a dualidade de contratos com o mesmo empregador ocorreria somente com objetivo de fraudar a lei é juridicamente insustentável. Como já analisamos anteriormente, mister analisar qual foi a intenção das partes contratantes e se foi esta a vontade dos partícipes. Assentadas a noção de vínculo contratual e de subordinação, impõem-se referências às teorias sobre a matéria e que são essenciais para sua melhor compreensão. Para a Consolidação das Leis do Trabalho, contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego (art. 442 da CLT). A dicção normativa ao empregar o termo acordo correspondente à relação de emprego, afirmam alguns, mesclou as teorias contratualista e anticontratualista. A relação de emprego é produto desse contrato (CLT, art. 442. Assentadas a noção de vínculo contratual e de subordinação, impõem-se referências às teorias sobre a matéria e que são essenciais para sua melhor compreensão. Como preleciona Maurício Godinho DELGADO (2002): A vontade, como se sabe, é a particularização da liberdade em uma relação jurídica concreta. Na relação de emprego, essa vontade (e liberdade) apresenta, é claro, limitações inquestionáveis. Afinal, como já foi argutamente observado pela jurista Luiza Riva Sanseverino, não se trata tanto da vontade dirigida à definição do conteúdo do vínculo contratado, embora mantenha-se como vontade para definir sobre a efetiva pactuação do referido vínculo (DELGADO, 2002). A questão de fato tem sido abordada de forma vacilante e contraditória, como demonstra Tarso GENRO, quando diz que muitos autores esquecem que, em suas obras, defendem a contratualidade da relação de emprego e acabam negando que as partes venham pactuar o duplo contrato com o mesmo empregador, observando com proficiência, É um tema que tem sido abordado de forma vacilante e contraditória. Muitos autores esquecem na parte geral das suas obras defendem a "contratualidade da relação de emprego" e, quando examinam a cumulação de contratos, tratam-no como se ele fosse mera relação de vassalagem sem qualquer interferência da subjetividade das partes. Esquecem a "contratualidade" da relação de emprego. Partem daí, de forma caricatural, para a afirmativa velada, que a objetividade da relação travada entre as partes não permite o "duplo contrato". (GENRO, 1994, p. 150) Sérgio Pinto MARTINS (2005:75) comenta a questão de contratos de trabalho com empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico: "A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário", acrescentando que: "Exceção poderá ocorrer se as partes ajustarem algo em sentido contrário, como na hipótese de o empregado trabalhar seis horas para uma empresa do grupo e mais seis horas para outra empresa, mediante contratos de trabalho distintos". Precisa-se, então, agora, para entender melhor o assunto, saber mais sobre a questão dos elementos constitutivos do contrato de trabalho. Os elementos componentes do contrato empregatício não diferem, em geral, daqueles já identificados pela teoria civilista clássica: tratam-se dos elementos essenciais, naturais e acidentais do contrato. Nos prendemos mais aqui apenas aos elementos essenciais, pois, são imprescindíveis para a formação da relação contratual. A sua ausência ou irregularidade pode comprometer existência ou a validade do contrato daí o especial interesse para o presente estudo. São eles: a capacidade das partes, a licitude do objeto e higidez de vontade . Um dos elementos mais importantes para este estudo é a higidez de vontade que significa a manifestação da vontade é sem dúvida nenhuma imprescindível para a validade do contrato de trabalho. As partes são livres para ajustar uma relação e emprego, porém a manifestação da vontade estará sempre adstrita ao que preceitua o art. 444, da CLT, quando diz que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Ora a celebração de outro contrato de trabalho com o seu empregador, não se subsume ao preceito referido. É de se ressaltar que não havendo a manifestação livre da vontade em razão de erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo ou fraude à legislação trabalhista, tem-se como conseqüência a nulidade da dupla contratação, considerando-se para todos os efeitos único contrato de trabalho. 6. CRITÉRIOS DEFINIDORES DA POSSIBILIDADE DO DUPLO CONTRATO DE EMPREGO A dinâmica da vida social traz à tona, rotineiramente, novas situações que exigem constante evolução do direito. Aos intérpretes do Direito cabe buscar nos princípios jurídicos soluções para as demandas sociais de modo a possibilitar a atuação da Justiça, suprindo lacunas deixadas pelo poder detentor da competência legislativa. Os princípios funcionam como verdadeira bússola interpretativa. Sendo assim, o Poder Judiciário ancora-se nos princípios, fazendo atuar a Justiça sobre os problemas reais e a subsunção dos fatos ao Direito orientados por aqueles valores inerentes ao sistema jurídico. Em resumo, os princípios do Direito devem ser o espeque de todos os intérpretes na busca de uma efetiva solução para o problema posto, bem como para o novo exercício de dialética, a ser efetivado para os casos vindouros. Na hipótese da dualidade de contratos com o mesmo empregador, partes dos juristas, alegam que a convivência de dois contratos entre as mesmas partes seria incompatível com os fundamentos e objetivos do Direito do Trabalho tendo em vista que a pessoalidade e confiança mútua não permitiriam a caminhada paralela e independente. A admissibilidade em tese da dualidade contratual não implica de modo algum a inexistência de critérios definidores desta possibilidade jurídica in concreto. É impostergável estudar quais são os parâmetros jurídicos para verificar caso a caso se é ou não possível a dupla contratação. Entretanto, esta inferência deve ser criticada cautelosamente e sem as amarras do apego a dogmas que não estão consagrados nem mesmo na legislação. Os itens que seguem, trazem fundamentos para firmar a possibilidade da existência, dentro dos moldes perfeitamente jurídicos, porque a hipótese pode caminhar e caminha em perfeita sintonia com os princípios norteadores do Direito do Trabalho, não ofendendo quaisquer deles, seja direta ou indiretamente. Com base na lição de Tarso GENRO (1994:151): "[...] em primeiro lugar, deve ficar bem claro que não há qualquer proibição, não há qualquer norma impeditiva, não há qualquer princípio de direito ou mesmo princípio particular de direito do trabalho que vede a existência de dupla relação de emprego, ou seja, que as mesmas partes realizem mais de um contrato de trabalho." (Grifos nossos). Em consideração ao art. 8º da CLT, que inclui os princípios gerais de Direito, principalmente do Direito do Trabalho, entre as fontes a que a Justiça do Trabalho e as autoridades administrativas devem recorrer para sanar omissões na esfera juslaboral. Assim preceitua a artigo mencionado. "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público" (art. 8º, caput). Assim sendo, a dualidade de contratos com o mesmo empregador deverá caminhar, conforme os ditames contidos na Principiologia do Direito do Trabalho. Para fins de análise, quanto aos reflexos dos princípios trabalhistas, destacam-se aqueles que, notadamente, estão suscetíveis de serem afetados pela dupla contratação e que se revelam como vetores de cotejo das situações do dia-a-dia da relação de emprego ensejadoras da dualidade de contratos quais sejam:
O princípio da proteção tem por escopo equilibrar a relação empregatícia, conferindo primazia jurídica ao empregado economicamente hipossuficiente. Como se sabe, desdobra-se nos axiomas do in dúbio pro operário, da condição mais benéfica e da norma mais favorável. O "In dúbio pro operário" quer dizer que, havendo dúvida, deve o aplicador da lei optar solução pela mais favorável ao empregado. Não se admite a aplicação deste princípio se dele resultar afronta à vontade do legislador. O princípio da condição mais benéfica como desdobramento do princípio constitucional do Direito Adquirido, deve ser o guia para definir casos concretos em que se questione a licitude ou não da dupla contratação. Como já dito anteriormente, não existe óbice que um empregado venha celebrar contratos de trabalho simultâneos com empregadores diferentes, desde que não ocorra incompatibilidade de horários. Entendemos que o empregado que venha a celebrar contrato com o seu mesmo empregador terá muito mais vantagens do que teria se fosse ensinar em outra instituição de ensino, por exemplo. O princípio da primazia da realidade reza, como explica SUSSEKIND (2002:112), que "[...] a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob a capa simulada, não correspondente à realidade", desde que passe pelo crivo da Principiologia trabalhista, em razão da primazia do mundo dos fatos sobre o Direito aplicável. Ou seja, caso o empregado venha a celebrar dois contratos com o seu empregador, sendo um para o cargo de professor de ensino fundamental e um outro para o ensino superior, não obstante apenas lecionar para o nível superior, restará comprovado que o ajuste feito pelo empregador visou apenas desvirtuar os direitos do empregado. Também o princípio da razoabilidade é critério fundamental. Este princípio traduz-se na idéia de que somente é legítima uma conduta se ela for adequada à consecução do fim almejado e, no caso de condutas que impliquem gravames para o destinatário, se for realmente necessária e não existir outra menos gravosa que produza o mesmo resultado. Nesse caso, deve o aplicador da lei se nortear pelo bom senso, tendo por base a conduta esperada do homem médio, no discernimento do que seja justo e razoável. Dentro da hipótese do duplo contrato de trabalho tal princípio está em perfeita sintonia com o seu objeto, pois empregado e empregador quando buscam uma nova relação de emprego estão cientes que a nova condição exigirá de ambos o cumprimento das regras de trabalho. Não sendo a exclusividade elemento caracterizador da relação de emprego, pode o empregado manter outro contrato com empregador diverso e, muitas vezes, mais gravoso é o cumprimento das atribuições do contrato diverso com outro empregador em razão de eventuais deslocamento, ofertas menores em termos de salários por aquele empregador etc.. Essa possibilidade não pode ser argumento para a negativa peremptória da dualidade contratual entre partes idênticas, pois, fere o senso de razoabilidade. Por outro lado não se pode também afirmar generalizadamente que sempre será admissível o duplo contrato incondicionadamente. Ora, tanto uma quanto outra proposição não se coaduna com o princípio da razoabilidade que de ser a coordenada da aferição da possibilidade concreta da simultaneidade de contratos de emprego. Finalmente, o principio da boa-fé deve estar presente na formação do duplo contrato bem como na sua execução. O desejável é que o empregado procure, de boa fé, cumprir as obrigações pactuadas, visando ao melhor rendimento no trabalho, enquanto ao empregador deve cumprir, por si ou pelos seus prepostos, com lealdade e boa-fé, as obrigações que lhe cabem (SUSSEKIND, 2005). RODRIGUEZ (apud CARVALHO, 2004:7) assim afirma: A boa-fé significa que as pessoas devem celebrar seus negócios, cumprir as suas obrigações e, em geral, ter com os demais uma conduta leal, e que a lealdade no direito desdobra-se em duas direções: primeiramente, toda pessoa tem o dever de ter com as demais uma conduta leal, uma conduta ajustada às exigências do decoro social; em segundo lugar, cada qual tem o direito de esperar dos demais essa mesma lealdade. É preciso ressaltar que o princípio da boa-fé ganhou vigor em todas as searas do Direito, pois, assim nos lembra Augusto César Leite de CARVALHO (2004), que os arts. 113, 187 e 422, do novo Código Civil, referem-se ao princípio da boa-fé, porque revelam a opção do legislador por normas genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, "a fim de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos juízes, para a contínua atualização dos preceitos legais". Para validade se instaurar a dualidade de contratos com o mesmo empregador, tal princípio é de observância obrigatória, pois se presume que as partes ao manifestarem a vontade por contrair um novo pacto devem estar ambas imbuídas de boa-fé na disposição das novas condições, pois certamente se houver presença de má-fé por parte de qualquer dos contratantes, esse contrato não terá eficácia legal. Enfim, deste exame pormenorizado, conforme se demonstrou, extrai-se que a dualidade de contratos harmoniza-se com os princípios do Direito do Trabalho. Pois, a inexistência de vício de vontade, como mencionado no tópico sobre a higidez da manifestação da vontade, é motivo para a anulação do ato jurídico firmado entre as partes, mantendo sempre possível aquilo que por ventura não for contaminado. Nesse sentido, caso o empregador venha praticar algum ato ilícito que reflita na manipulação da vontade do empregado, obrigatoriamente esse contrato será anulado. Assim posto, a dualidade de contratos com o mesmo empregador pressupõe o ajuste sem quaisquer interferências na vontade do empregado, tendo em vista ser uma hipótese que, por não ser muito aplicada no dia-a-dia no Direito do Trabalho, existirá, como há, sempre uma presunção de que o empregador está influenciando o empregado de alguma forma. A ausência de defeitos deve ser também considerada como um dos critérios norteadores da avaliação das situações reais que se apresentarem ao operador do Direito. Outro termo para esses casos, é a indicação doutrinária da distinção das funções contratadas como requisito de admissibilidade da dualidade contratual. Nesse sentido, José SERSON (1995:54) adverte: Convém mencionar todas as alternativas possíveis; assim, se uma pessoa pode vir a prestar serviços de marceneiro e motorista, ambas as hipóteses devem ser mencionadas. Depois do nome do cargo, usam-se as palavras compreendendo, inclusive, e se escreve tudo quanto poderá ser exigido do empregado e que não contém no nome do cargo. Observe-se as proibições legais, como a de atribuir ao pessoal de medicina e segurança o trabalho afazeres estranhos durante as horas de atividade específica (NR 4.10 da Port. 3214 com a redação da Port. SSMT 33/83). As expressões gerais (como "servente", "braçal", "auxiliar de escritório") firmam o trabalho da pessoa naquilo que costumeiramente ela faz, gerando uma situação mais restrita do que se tivessem sido declarados os serviços todos. A carta que comunica a promoção ou transferência de cargo diz que o novo serviço "compreende inclusive" as tarefas que enumera (o empregado concorda na 2ª via). Tarso GENRO (1981) assevera com categoria que, para tal hipótese existir, necessário se faz a observância das características objetivas e subjetivas de cada caso concreto, além disso, traz alguns exemplos das hipóteses mais comuns que tal situação poderia ocorrer durante uma relação de emprego. São expressivos seus termos: Assim, aquele professor que é contratado para dar aulas e depois é contratado para secretário da escola, noutro ou num mesmo turno, trava duas relações de emprego. Da mesma forma o jogador de futebol que passa a cuidar do estádio ou o balconista que passa a dormir na loja, para vigiá-la, à noite. Acumulação de empregos é, pois, absolutamente possível com o mesmo empregador. O que é necessário verificar, para concluir pela sua existência, são as características objetivas e subjetivas de cada caso concreto. (GENRO, 1981, p.150). Do exposto, é possível constatar então, caso o empregador queira contratar um determinado empregado para ocupar um certo cargo na empresa, que por sua vez, não apresente necessidade de tempo integral, poderá ele, caso o empregado aceite, contemplar dentro do mesmo contrato e em outra jornada, outra função, cuja especificidade e particularidades da empresa também não seja necessário para uma jornada de tempo integral (oito horas semanais). No que diz respeito ao caso específico dos médicos e professores, GONÇALVES observa que a jornada reduzida de trabalho em cada emprego, fixada por lei (para os médicos, máximo de quatro horas e mínimo de duas horas diárias (Lei nº 3.999/61); e, para os professores, máximo de quatro aulas consecutivas ou seis intercaladas, por dia, no mesmo estabelecimento (art. 318 da CLT), possibilita a acumulação de empregos, aliando-se ao fato razões de ordem econômica que não é possível desconhecer: normalmente, não podem esses profissionais viver exclusivamente dos salários auferidos em um só emprego. Em segundo lugar, há de se ter em conta que é inquestionável a possibilidade de o empregado ter dois ou até mais vínculos empregatícios com empregadores diversos o que, por conseguinte, pode implicar um grande número de horas de trabalhado despendido pelo trabalhador sem que a isto se objete com base na limitação legal da duração da jornada. Não se afirma com isso que a limitação não seja relevante para proteção do trabalhador. O que se pretende é argumentar, perquirindo se há a limitação por si mesma é causa excludente da licitude da contratação. Ora intuitiva a ilação de que a compatibilidade das jornadas dos dois contratos como o limite geral da lei não é critério de admissibilidade. Ora o empregado pode nos seus horários livres estabelecer outro contrato de trabalho com qualquer empregador mesmo que a soma das jornadas venha ultrapassar o limite máximo de quarenta e quatro horas semanais, pois isso é uma faculdade que ele tem e que, conforme já demonstramos nesse estudo, não existe qualquer impedimento legal. Não se justificando exigir especialmente se o empregador eventualmente for o mesmo de outro contrato também de emprego. Conclusão em sentido contrário revela-se incongruente sob o ponto de vista lógico-jurídico. Nesta mesma esteira de pensamento defende MARANHÃO, (apud GONÇALVES, 1978, p. 34): "Pode ocorrer, assim, em tese, a acumulação de contratos de trabalho com empregadores distintos, assim, como de contrato de trabalho com função pública. Tudo depende da função, da compatibilidade de horários e da inexistência da concorrência desleal". No trecho transcrito a expressão compatibilidade de horário, contextualmente interpretado significa ajuste de tempo à capacidade física do empregado para executar os serviços. Observe-se que o autor faz uma analogia com a cumulação de contratos com a administração pública. No caso da dualidade de contratos com o mesmo empregador, temos que analisar que o empregado não deixará de ser remunerado para as diversas funções que ele venha a desempenhar, da mesma forma que estaria caso fosse com outro empregador. Serson (1995 p.55) afirma que "as horas trabalhadas em desdobramento são independentes do serviço regular, não havendo interferência nos direitos e obrigações correlatos; assim, não se paga adicional de hora extra porque o serviço acrescido não é continuação da atividade normal". (grifos nossos). O empregado não estaria adstrito ao limite máximo de jornada de trabalho, digo, às quarenta e quatro horas semanais, como leciona Ives Gandra MARTINS FILHO (2003, Proc. 614093), que entende inexistir vedação legal da celebração de contratos de trabalho simultâneos com o mesmo empregador, em horários distintos, ainda que a soma das jornadas de trabalho dos contratos ultrapasse as quarenta e quatro horas semanais. É como julgou: CONTRATOS DE TRABALHO SIMULTÂNEOS MESMO EMPREGADOR POSSIBILIDADE Inexiste vedação legal de celebração de contratos de trabalho simultâneos com o mesmo empregador, em horários distintos, ainda que a soma das jornadas de trabalho dos contratos ultrapasse as quarenta e quatro horas semanais. E, tendo havido contratação formal da empregada para trabalhar como professora no turno da manhã e como assistente de alunos no período da tarde, com o pagamento dos salários correspondente às funções exercidas, e não sendo reconhecida a existência de fraude na hipótese, não há que se falar em horas extras, cuja pretensão não encontra guarida nos arts. 58 e 59 da CLT e 7º, XIII, da Constituição da República. Por outro lado, a Súmula nº 129 do TST não estabelece vedação de celebração de dois contratos de trabalho simultâneos com o mesmo empregador, mas consigna que, salvo ajuste em contrário, a prestação de serviços para mais de uma empresa do mesmo grupo econômico e no mesmo horário não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho. (TST-RR-614093/99.2, 4ª T, 23.04.2003, Rel. Ives Gandra Martins Filho) (TST.gov.br) Vale ainda trazer como forma de demonstrarmos que a dualidade de contratos com o mesmo empregador está sendo bem vista pelos Tribunais da mais alta corte, o caso de um professor possuir dois contratos para a mesma função não seria considerado como extrapolação de jornada para fins de aplicação do acréscimo salarial, conforme decisões: PROFESSORA-HORAS EXTRAS DUPLO CONTRATO DE TRABALHO INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 318 DA CLT O art. 318 da CLT proíbe que o professor tenha jornada de trabalho superior a quatro horas diárias consecutivas ou seis intercaladas em um mesmo estabelecimento. Registrado pelo Regional que dois foram os contratos de trabalho, inviável falar-se em sua ofensa. O contrato de trabalho pode ser constituído de forma expressa (escrita ou verbal) e de forma tácita. Logo, definido pelo Regional, atento à primazia da realidade, que, por sinal, encontra-se apoio na confissão da reclamante, de que houve dois contratos, a irregularidade decorrente da falta de anotação não descaracteriza o liame empregatício. Agravo de instrumento não provido (TST, AIRR-780.146/01.4, 4ª T, pub. 31.10.2002, Rel. Milton de Moura França) (TST.gov.br). AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DOS CONTRATOS DE TRABALHO CELEBRADOS COM O MESMO EMPREGADOR DA JORNADA DE TRABALHO DO PREQUESTIONAMENTO [...] O reconhecimento pelo Tribunal Regional acerca da existência de dois contratos de trabalho simultâneos entre o reclamante e o reclamado, e não existindo nenhuma proibição legal para a celebração desses contratos de trabalho, e ainda, não tendo o TRT, reconhecido qualquer fraude na contratação da reclamante, a sua pretensão de auferir, como extras, as horas que excederam a quatro aulas consecutivas e seis, intercaladas, não encontra guarida no art. 318 da CLT (Ac. TST, AIRR-40.792/2002-900-09-00.1, 5ª T, pub. 27.02.2004, Rel. Rider de Brito (TST.gov.br) A esta posição jurisprudencial, opõe-se o preceito do art. 9º da CLT que impõe observar objetivamente se há ou não nulidade em razão de ter-se como fim desvirtuar, fraudar ou impedir aplicação das normas e princípios justrabalhistas. Isto porque a tese admitida nos julgados, na hipótese de serem as funções idênticas, põe-se numa linha muito tênue entre o princípio da proteção e o impedimento da aplicação das normas que a efetiva. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa desenvolvida conduziu à constatação de que a simultaneidade de contratos entre idênticos sujeitos da relação de emprego é questão complexa, não sendo de fácil subsunção aos princípios e normas do Direito do Trabalho. A este aspecto explica a divergência e a pluralidade de posições doutrinárias as quais podem ser classificadas em corrente negativista e afirmativista. Com o estudo, revelou-se ter a posição afirmativista mais afinidade com a ordem jurídica em cotejo com a realidade social. Verificou-se que presumir abstratamente a impossibilidade jurídica da hipótese suscitada não se sustenta juridicamente. Primeiro ante a inexistência de veto legal neste sentido, mas ao contrário de indicativos normativos de ser admissível como se vê especialmente no art. 414 da CLT, quando tratou dos menores. A licitude da dupla contratação também não pode ser negada em razão da natureza contratual incontestável da relação de emprego que se estampa no art. 442 e reconhecida amplamente pela doutrina pátria. Devendo ponderar e não desconsiderar que o Direito do Trabalho, apesar de orientar para tutela do trabalhador, pressupõe a liberdade para contratar que não pode ser afastada sem expressa proibição pelo ordenamento jurídico. Assim a simultaneidade de contrato pode sim decorrer de ajuste das partes desde que presentes os elementos essenciais ao negócio jurídico empregatício. O que se deve repelir é a manifestação de vontade viciada e observar o preceito esculpido no art. 444 da CLT, pois segundo o qual devem ser respeitadas as disposições de proteção ao trabalho. Entretanto a apuração da observância deste artigo não pode se restringir a mera negativa geral e abstrata. Deve-se apurar caso a caso a licitude. Assim, o importante é aferir critérios de verificação da licitude. A análise teórica e a reflexão sobre a realidade fática levam a concluir que não há violação a qualquer princípio trabalhista. A dinâmica dos fatos sociais exige constante exame do Direito que não deve ser apegado a dogmas e isolado desta dinâmica. Analisando hipóteses como de uma instituição de ensino que venha a ofertar vagas de professores e que alguns dos seus já empregados, possuindo os requisitos necessários e a experiência suficiente, como negar sua possibilidade jurídica? Afirmar ser incabível é causar prejuízos ao trabalhador que se verá impedido de com seu empregador, manter novo contrato, que pode ser validamente firmado com outra instituição concorrente muitas das vezes com ônus para trabalhador. Isto certamente não é a meta do princípio protetivo. Pressuposto inafastável para admissibilidade concreta da dupla contratação é a inexistência de vícios jurídicos. Há de manifestar a vontade de forma imune de coação, dolo ou má-fé, erro ou ignorância, bem como há de ser invalidado se feito em estado de perigo ou lesão. Um critério outro que se demonstrou pertinente é a distinção dos objetos dos contratos multiplamente pactuados de forma a evitar fraude às normas de proteção do trabalhador. Assim, à controvérsia instaurada em torno da limitação da jornada de trabalho chegou-se a conclusão de que presentes os demais critérios não justifica juridicamente a limitação, pois em casos reais se impedido de prestar serviço para empregador, com quem já mantém, irá firmar novo pacto com empregador diverso com majoração das horas trabalhadas. Logo, não se protege o trabalhador, declarando impossível a hipótese examinada. Finalmente, a relevância e gravidade das repercussões jurídicas, não devem prender-se a respostas dogmáticas e ilhadas da realidade fática. A isto se atentou, como restou evidenciado, a jurisprudência dominante, considerando os diversos aspectos aqui apontados e manifestando-se favorável à celebração do duplo contrato, desde que este não tenha qualquer elemento que possa anular a sua validade no que se afina, em linhas gerais, com a doutrina nacional. Diante do exposto, conclui-se ser plenamente admissível a simultaneidade de contratos entre um empregador e um empregado, desde que o ajuste não seja maculado por quaisquer defeitos jurídicos e observados certos critérios de modo a não se favorecer e estimular fraudes à ordem juslaboral. Sugere-se que o intérprete da lei quando analisar a hipótese da dualidade de contratos com o mesmo empregar verifique em cada caso concreto o objetivo que as partes envolvidas buscaram, assim como a inexistência de manipulação de vontades. Considerando a dificuldade de literatura relacionada ao tema e a necessidade de aprofundamento nos estudos acerca do assunto, sugere-se ainda que outros pesquisadores possam se debruçar em causa tão necessária no momento atual, quando a hipótese vem, em sua maioria, em benefício do empregado, sem desprezar os benefícios, também, com o empregador. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(*) Autor
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